Há 20 anos Vila Olímpica da Maré é responsável por levar cidadania, dignidade e oportunidades para os moradores da favela. Através do esporte e de ações de integração a instituição é uma porta de entrada para a mudança de vida de crianças, adolescentes e famílias da comunidade
Natália Oliveira
Este mês foi comemorado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, data especial para reforçarmos que todos somos iguais, olharmos para o passado, aprendermos com os erros e construirmos um futuro melhor. Os direitos humanos garantem que todos tenham seus direitos respeitados, independente de classe social, etnia, religião, gênero, orientação sexual ou qualquer outra característica. Educação, cidadania, saúde, liberdade, justiça, igualdade, respeito às diferenças, tudo isso são lutas de quem defende os direitos humanos.
Ser filantrópico, é também fazer parte dessa luta. A Vila Olímpica da Maré, instituição afiliada à Femerj, há 20 anos contribui para o exercício da cidadania e integração da comunidade. Lá, os moradores têm se envolvido em projetos sociais, onde passam a se reconhecer como parte integrante da sociedade. Muitos jovens, ainda em fase escolar, aprimoram o pensamento crítico e se tornam mais ativos em busca dos direitos humanos, compreendendo a importância da luta pelos seus direitos e, ao mesmo tempo, entendendo seus deveres enquanto cidadãos.
Conheça as instituições afiliadas à Femerj
Lutar pelos direitos humanos é também buscar a redução das desigualdades sociais e a igualdade de oportunidades. A Vila Olímpica da Maré atua como um projeto esportivo para os moradores e oferece atividades como ballet clássico, futsal, caminhadas, dança de salão, natação, karatê, yoga, atletismo, jiu-jitsu, zumba, treinamento funcional, pilates, hidrocapoeira, muaythai e outras. A ideia é resgatar a autoestima da população, disseminando valores esportivos, um estilo de vida saudável e proporcionando um espaço de harmonia para essas pessoas que vivem diariamente em meio a violência. O projeto atende crianças a partir de um ano de idade, jovens, adultos, idosos e pessoas com deficiência.
“A Vila Olímpica é uma porta de entrada para mudar vidas. O seu poder de transformação social vai além do que podemos ver. Tocamos as vidas das pessoas, elas passam a entender o seu valor e acreditar que podem mudar”, afirmou Aline da Costa Cunha, subcoordenadora da Uevom, organização social que faz a gestão da Vila Olímpica da Maré.
Segundo ela, a atuação da instituição, que oferece aos jovens uma nova possibilidade de visão de mundo, levando cultura, oportunidades e valores humanos, já mudou a vida de várias pessoas. Há exemplos de jovens que se tornaram jogadores profissionais de futebol e até dançarinos do Bolshoi. Sem contar aqueles que conseguiram se graduar em universidades. “É muito bom ver hoje esses jovens como pais de famílias que continuam vivos lutando pelos seus ideais, tendo a chance de fazer a diferença num mundo onde poderiam não mais existir”, contou Aline.
Desafios e parcerias rumo ao resgate social
Durante esses 20 anos, a Vila Olímpica da Maré proporcionou à comunidade diversos eventos e grandes momentos, mas enfrentou grandes desafios. A Vila chegou a ser fechada, teve que lidar com a falta de repasses financeiros, administrar a diminuição de recursos para o projeto e encarar a missão de funcionar dentro da comunidade com uma situação a violência acentuada. Apesar disso, além do resgate social de tantos jovens e da população local, a Vila Olímpica da Maré conseguiu parcerias importantes, como por exemplo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Petrobrás e a Fundação Barcelona.
A partir dessas parcerias, foi possível realizar, por exemplo, o programa “Maré Que Transforma” que por três anos propôs um conjunto de ações destinadas a trabalhar a educação voltada para valores da cidadania. Com início em 2015, o programa foi financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e o Fundo Japonês, como um dos legados da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas. O objetivo era trabalhar o desenvolvimento pessoal de crianças, jovens e adultos com foco no esporte, na família e no planejamento financeiro. O “Maré que Transforma” contou também com parceria da Fundação Barcelona, Jr. NBA, Colgate e Visa. Apesar de já ter sido encerrado, o programa foi um salto importante para a Vila Olímpica e para os moradores da Maré.
A Fundação Barcelona, por exemplo, continua como parceira da instituição, com aulas de futsal através do projeto Futbolnet, desenvolvido em vários países. Outra parceria importante para a Vila Olímpica da Maré hoje é com o Instituto Jacqueline Terto oferecendo atividades para pessoas com deficiência. “Pretendemos dar continuidade aos trabalhos que vem transformando vidas cotidianamente de forma expressiva. A Vila Olímpica da Maré é o coração da comunidade, é um oásis em meio ao caos da desigualdade, é a esperança revestida de amor”, afirmou Aline.
Com a pandemia da Covid-19, a Vila Olímpica precisou interromper suas atividades presenciais e se adaptar para continuar chegando até os moradores da Maré. Foram feitas videoaulas nas redes sociais para estimular a movimentação dos alunos dentro de casa e tentar manter a saúde física e emocional diante dessa mudança brusca de rotina. Em julho, por determinação da Prefeitura, as atividades presenciais foram retomadas com todas as adaptações necessárias na estrutura e nos cuidados tomados pelos profissionais para evitar a propagação do novo coronavírus.
Neste período tão difícil, de crise não só na saúde, mas também econômica e social, a Vila Olímpica da Maré abraçou a comunidade em mais um projeto: a campanha “Maré Solidária”. Na campanha foi feita uma vaquinha para a compra de cestas básicas para a população mais vulnerável da Maré. “Fazemos o nosso melhor com o pouco que temos. Buscamos oferecer aos moradores oportunidades que talvez não teriam acesso. Além de todas as atividades, eventos, campanhas e parcerias, prestamos atendimento às escolas do entorno com atividades físicas e recreativas. Acreditamos que ações como essas certamente contribuem para a diminuição da desigualdade”, explicou a subcoordenadora da Uevom.
A Vila Olímpica da Maré vem garantindo a cidadania por meio de atividades, eventos, passeios, reuniões comunitárias, projetos de educação com apoio extracurricular e muitas ações que atendem a população local nas suas diversas necessidades. Inclusive, atendendo a encaminhamentos do CRAS e CREAS contribuindo com a inserção e reintegração das pessoas na sociedade. O que na verdade a Vila Olímpica da Maré faz é levar esperança para cada indivíduo, cada família, cada criança que muitas vezes não conseguem ter perspectiva de futuro. São pessoas que vivem se sentindo à margem da sociedade, sem a presença do Estado, sem liberdade de ir e vir, alvo de uma série de preconceitos e violações, privadas de direitos básicos garantidos na Constituição.
“A partir do momento em que as pessoas, que os jovens, começam a ter consciência e lutar por seus direitos, a busca por igualdade ganha peso e as boas ações ampliam a dignidade nas comunidades. Sabedores de como buscar a garantia dos direitos, a favela se mostra parte da sociedade, que também deve ser vista e respeitada”, reforça Aline.
Mensagem de esperança
Aproveitando a semana do Natal e a chegada do final do ano, a equipe da Femerj pediu que a subcoordenadora da Uevom, representando os profissionais que todos os dias levam esperança para os moradores da Maré, deixasse uma mensagem para os jovens que vivem nas comunidades do estado e para todas as instituições filantrópicas que atuam no Rio de Janeiro:
“Jovens, vocês são o futuro, vocês possuem vigor, garra e provavelmente vão apresentar habilidades que o nosso estado e a nação precisam. Não se deixem abater pelas desigualdades, lutem pela justiça, sejam honestos, tenham empatia.Às instituições filantrópicas, deixamos a mensagem de força e perseverança. Continuemos o labor que produz o bem sem olhar aquém. Que o espírito do Natal permaneça todos os dias em nossos corações!”